27 de dez. de 2011

Figa

FIGA
Mau olhado é a influência maléfica atribuída a determinadas pessoas supostamente capazes de causar desgraça àquelas para quem olham. Contra essa presumida força negativa os antigos criaram um amuleto - a figa - que segundo ainda hoje se acredita, espanta a inveja dos outros, afasta o mal e traz a boa sorte aos que a ele recorrem. Esse pequeno objeto a que muitos dão o nome de talismã, representa uma mão humana, com o polegar colocado entre o indicador e o dedo médio.
O professor de português, Cláudio Moreno, revela em sua página eletrônica que Nei Braz Lopes, conhecido compositor e intérprete da música popular nacional, sugere em seu “Novo Dicionário Banto do Brasil” que a palavra “amuleto” poderia nos ter sido ensinada pelos negros que aqui chegaram como escravos, embora não despreze a hipótese de que possa se tratar de um vocábulo português assimilado pelo idioma africano. Essa possibilidade, na opinião de Moreno, parece ser a mais provável, porque apesar de sua origem latina (fica), a palavra também aparece no francês e no espanhol (higa), fortalecendo a presunção de que se trata, efetivamente, de uma contribuição do nosso idioma às línguas dos povos africanos com que Portugal manteve contato, antes mesmo de descobrir o Brasil. O que muitos não sabem, conclui o professor, é que a figa sempre teve um evidente conteúdo fálico (o polegar representando o membro masculino entre os lábios da vulva feminina). Um dos amuletos preferidos pelos seguidores das religiões afro-brasileiras, a figa já era conhecida na pré-história européia - que entre as suas crenças incluía o sexo e a fertilidade como forças do bem - redundando daí a certeza de que esse amuleto tem poder contra o mau-olhado.
Na Turquia, o gesto da `figa` projetando seu polegar entre o primeiro e o segun-do dedo da mão, tem significado extremamente ofensivo, sendo considerado obsceno na área do Mediterrâneo. De forma geral, porém, ela é tida como um amuleto contra o azar, o mau olhado e a inveja, e por isso mesmo, na opinião dos que acreditam em forças não naturais, deve estar sempre na bolsa ou na carteira. E são eles que apontam três recomendações a serem consideradas pelos supersticiosos:
- Se você perdeu uma figa, não tente mais encontrá-la, porque ela foi embora com toda a carga de maldade que ia cair em cima de você.
- A melhor figa, diz a sabedoria popular, é a que se ganha, não a que se compra. E você pode usá-la junto com outros objetos de sorte, em um conjunto chamado balangandã.
- Compre uma figa do tamanho de seu dedo médio, mais ou menos, preferentemente de madeira, e leve-a consigo em uma sexta-feira, ao se dirigir ao seu local de trabalho. Chegando lá, procure escondê-la em um lugar onde os outros não possam achá-la com facilidade, e quando fizer isso, diga: “Essa figa é minha segurança neste emprego, e por isso jamais serei despedida sem uma causa justa”
Essa mão fechada, onde a ponta do polegar aparece entre os dedos indicador e médio, tem uma história muito mais interessante do que se possa imaginar. A tal ponto que o médico Francisco Franco da Rocha (1864-1933), um dos pioneiros da Psiquiatria Social no Brasil, ao ministrar palestra em seminário sobre a psicologia das neuroses. recorreu à doutrina de Segismundo Freud para mostrar como as forças de origem se-xual se desenvolvem e tomam, muitas vezes, sentido inverso ao da forma primitiva.
Está nesse caso o culto da figa, disse ele, utilizado no seio de quase todos os lares como um poder benéfico e familiar para conjurar possíveis males. "Que vem a ser a mão fechada, com o polegar entre o indicador e o médio? - indagou o cientista baseando-se na obra de Sanger Brann, Sex worship and Symbolism of Primitive races. E respondeu: “Um vestígio do culto fálico, em que o órgão masculino, evidentemente mais ativo, tomou a supremacia, origem da andocracia das organizações sociais modernas". E acrescentou: "Perdeu-se a ligação mental originária, isto é, a significação primitiva do objeto, mas ficou a feição física que lhe trai a origem. Sendo um simples objeto conjurador de males, a ética não impede que ele ande hoje com as medalhas pendentes do pescoço das crianças, das moças e até nas cadeias de relógios dos homens".
E, realmente, o comércio de figas desenvolveu-se de tal forma por todo o Brasil, que são encontradas feitas de madeira, prata, ouro, cobre, pedra e barro. Quando se vê uma figa ornando o braço dos bebês, suspensa na pulseira ou pendente do cordão de ouro das crianças, mal se imagina o que representa, em sua origem, e como a interpreta a psicanálise. Hoje ela é como um amuleto inocente, destinado a desviar o mau olhado e a preservar as crianças das conseqüências do "olho grande".
Como bem dizia em um de seus trabalhos o padre jesuíta Carlos Teschauer (1851-1930), estudioso dos costumes, superstições e lendas brasileiras, “As figas de Pau d’Alho, Guiné, Guiné Africano, Arruda, Azevinho e de outras madeiras, protegem o indivíduo e particularmente as crianças contra o mau olhado, feitiços, invejas e pragas de toda sorte. Existem de todos os tamanhos e formatos, desde as destinadas aos forros dos quartos e salas até as minúsculas, que podem ser trazidas ocultamente debaixo da roupa. Dessas madeiras se fazem pequenas cruzes e santinhos que gozam de fama semelhante".
FERNANDO KITZINGER DANNEMANN

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